Olhares desconfiados
Há coisa de dez anos, conheci um casal carioca que, ao visitar o Piauí, perdeu-se de amores por Teresina e aqui fincou raízes. Ele, ex-funcionário da Petrobrás; ela, professora aposentada. Filhos crescidos, situação financeira confortável, os dois podiam dar-se ao luxo de morar em qualquer lugar do país. Optaram pela Chapada do Corisco.
Certa feita, o cidadão me disse: “Professor, a paisagem humana do Rio de Janeiro estava me fazendo muito mal. A tão decantada cordialidade do carioca tornou-se uma falácia. Todos olham a todos com muita desconfiança. Pelo menos para mim, é impossível viver num lugar assim. O que mais me fascina em Teresina é a hospitalidade dos teresinenses, o jeito sossegado de agir e o olhar de quem confia”. A ex-professora encantava-se com a cadeira de espaguete na calçada: “Que cena mais bonita! Gente sentada na porta das casas, conversando, olhando a vida. Isso reforça os laços que caracterizam uma comunidade”, afirmava.
O tempo e os contratempos nos separaram: perdi o casal de vista. Na semana passada, encontrei-me com o cidadão. Ao me ver, não se conteve: “Professor, o que fizeram com a nossa cidade? Foram necessários mais de 40 anos para que se desconstruísse o tecido comunitário do Rio de Janeiro. Aqui, isto se fez em menos de dez…” Indescritível o ar de desencanto do cidadão. A mulher, segundo ele, voltara ao Rio no início do ano. Impossível convencê-la a permanecer em Teresina. “Se é para viver ‘protegida’ por cercas elétricas, enfrentando engarrafamentos, olhando as pessoas com medo e desconfiança, volto para a minha cidade onde, pelo menos, a paisagem física continua linda”, sentenciou. Meu amigo está vendendo o que construiu aqui e pretende voltar também.
Sem saber o que dizer, brinquei: feliz de vocês que têm a opção de voltar para sua cidade de origem. Eu também faria o mesmo não fosse o meu Campo Formoso apenas uma metáfora boiando na memória. Gostando ou não, estou condenado a viver na Chapada. Já não tenho idade nem disposição para começar nenhum projeto de monta. Abracei-o e desejei-lhe boa sorte.
Minhas irmãs, meus irmãos, permitam-me o desabafo: decididamente, não aprendemos nada com os erros cometidos pelos outros. Teresina segue, impávida, copiando o que há de pior nas grandes cidades brasileiras. Exemplos? Os dois rios que abraçam a cidade foram transformados em escoadouros dos efluentes que produzimos; quintais são engolidos por supermercados; casarões seculares transformam-se em estacionamentos, e os automóveis disputam cada polegada de chão com a fúria de mil demônios. Poluição, violência, medo e olhares desconfiados. Sem querer ser pessimista além da conta, fecho com o poeta: “Tenho pena dos que vão nascer”.