UMA BOA IDEIA
*Cineas Santos
MANHÃ DE MARÇO DE 2003. Sem aviso prévio, entram na Oficina da Palavra os professores Luiz Romero, Wellington Soares e Nílson Ferreira. Os três mosqueteiros vinham apresentar-me uma “boa ideia” e esperavam, naturalmente, contar com a minha pronta adesão. Queriam retomar o projeto Língua Viva, tocado por mim, a duras penas, durante cinco anos. Wellington queria algo mais ousado: pretendia criar um salão de livros no Piauí. A ideia era realmente muito boa, faltava apenas encontrar quem se dispusesse a bancá-la. Ressabiado com a dolo- rosa experiência do Língua Viva, comentei em tom de blague: por favor, incluam-me fora disso.
Eu tinha razões de sobra para não me meter em novas empreitadas: a Livraria Corisco estava às portas da falência. Não poderia, por- tanto, envolver-me num projeto tão ambicioso. Desacorçoados, os três já se preparavam para sair, quando lhes ofereci um cheque sem fundos. Propus ao trio: eu lhes empresto o meu nome. Se tiver alguma valia, podem usar à vontade.
Os mosqueteiros partiram e voltei a cuidar dos meus desassossegos. Acreditei ter sepulta- do de vez a “boa ideia” no nascedouro. Um mês depois, o trio regressou à Oficina e, para minha surpresa, já havia formado um esboço do Salão do Livro do Piauí. Faltava apenas o essencial: o financiador do projeto. Como nenhuma instituição resolvera chancelar o evento, emprestei-lhes o guarda-chuva roto da Oficina da Palavra, ou seja, um CNPJ. A partir daquele instante, gostando ou não, eu já estava comprometido com o SALIPI.
O mais é do conhecimento de todos: aos trancos e barrancos, no dia 30 de junho de 2003, abríamos festivamente o SALIPI, no Centro de Convenções de Teresina. Uma festa memorável, para dizer o mínimo. O público teresinense abraçou o Salão como se abraça um filho muito desejado. O governador do Piauí, Wellington Dias, e o prefeito de Teresina, Firmino Filho, compareceram à festa de abertura. Impressionada com o público, a imprensa teresinense já nos cobrou a transformação do SALIPI em bienal do livro no Piauí.
Se não me trai a memória, realizamos o Salão com 180 mil reais. Estado e Prefeitura participaram do evento com aportes financeiros quase simbólicos. Welington Soares conseguiu as passagens dos convidados com parlamenta- res do Piauí. O mais se fez com a ajuda de peque- nos parceiros. Na época, os livreiros de Teresina não demonstraram muito entusiasmo pelo evento. Era tudo muito novo, incerto. Mesmo entre os organizadores, havia muitas incertezas quanto ao futuro do Salão.
Um fato precisa ser ressaltado: nenhum dos nossos convidados – todos amigos – cobrou um centavo de cachê. Vieram por amor à causa. E assim se fez a primeira edição do Salão do Livro do Piauí. Ao visitar o SALIPI, o escritor Edmilson Caminha, parafraseando um autor que desconheço, afirmou: “Se os meninos soubessem que era impossível, não teriam feito”.
[Crônica de Cineas Santos, extraída do livro Bastidores do SALIPI – Breves histórias do Salão do Livro do Piauí editado pela editora Fundação Quixote em 2022, por ocasião das comemorações dos 20 anos do SaLiPi]
SOBRE O AUTOR:
*Cineas Santos nasceu em Campo Formoso, sertão do Caracol, Piauí, em setembro de 1948. Filho de lavradores, foi desasnado aos cinco anos de idade por dona Purcina. Aos sete, já sabia
ler. Aprendeu a ler para viajar nos folhetos de cordel, a única literatura disponível no local. Cursou o primeiro grau em São Raimundo Nonato. Em 1965, migrou para Teresina, onde permanece até hoje. Bacharel em Direito, nunca exerceu a profissão de advogado. Começou a lecionar em 1970.
Na década de 1970, em parceria com alguns amigos, fundou o jornal alternativo “Chapada do Corisco” (76/77). No final da década de 70, fundou a Oficina da Palavra, inicialmente, apenas um curso de português, mais tarde transformado em espaço cultural. Em meados da década de 70, fundou a Editora Nossa, mais tarde, a Livraria e Editora Corisco. Ao longo desses anos, editou todos os autores piauienses de expressão, de Da Costa e Silva a Elias Paz e Silva. Em meados da década de 1980, criou o Projeto Mão Dupla, anos depois rebatizado com o nome de A Cara Alegre do Piauí. Trata-se de um projeto de voluntários que leva aos sertões do Piauí cursos para professores e oficinas de arte para alunos da rede pública de ensino. No final da década de 1980, criou o projeto Língua Viva, iniciativa que trouxe os grandes gramáticos brasileiros ao Estado do Piauí. É autor de um punhado de livros, entre outros: As despesas do envelhecer; Cacos de mim;
Cambalhotas para ninguém, Teresina para amadores (crônicas); Miudezas em geral (poemas); O
menino que descobriu as palavras; Trem da Vida; ABC da ecologia; A metade extraviada (infantis e infanto-juvenis); Dona Purcina, a matriarca dos loucos (biografia). É autor da letra do Hino de Teresina. Entre outras honrarias, é Professor Honoris-Causa pela UFPI. Em 2003, participou da criação do SALIPI. Ainda está meio vivo.